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A produção de mel e a importância da organização de uma colmeia

Oito horas da manhã, dia 3 de outubro de 2024, Dia Nacional da Abelha. Com os vidros do carro entreabertos, o cheiro de terra molhada passa pelas frestas. Não...

A produção de mel e a importância da organização de uma colmeia
A produção de mel e a importância da organização de uma colmeia (Foto: Reprodução)

Oito horas da manhã, dia 3 de outubro de 2024, Dia Nacional da Abelha. Com os vidros do carro entreabertos, o cheiro de terra molhada passa pelas frestas. Não se escuta nada além do barulho do vento e de pisadas sobre os galhos caídos. O porta-malas é aberto e, dele, Eduardo retira uma calça amarela, um moletom grosso e botas de borracha, mistura maravalha de eucalipto, sem tratamento, e capim cidreira, e coloca no fumigador. Testa a fumaça, coloca suas luvas, fecha a máscara. À prova de picadas, segue em frente. Os zumbidos das colmeias ficam cada vez mais altos na medida em que se aproxima do apiário. A 30 minutos de Cascavel, Eduardo Francisco Fornari cria abelhas. Um encontro apícola Apicultura em foco. Divulgação: Manuella Koehler Jornalista há mais de dez anos, Eduardo se viu num impasse quando, durante a pandemia, foi desligado de seu emprego em uma emissora de televisão. Ele tinha uma chácara e um desejo de iniciar uma nova atividade lucrativa no local. Começou a encontrar enxames de abelhas em sua propriedade, e a escutar vizinhos reclamando de colmeias que encontraram em suas próprias terras. Foi aí que Eduardo decidiu "buscar um conhecimento" para iniciar na apicultura. "Todo mundo que vai mexer com abelhas deve fazer um curso". O apicultor relata que, sem conhecimento, "você só tem uma caixa com abelhas, sem o mel". Eduardo também declara que, ao conhecer outros profissionais do ramo, pode-se aprender com seus erros e acertos, aperfeiçoar ainda mais as técnicas de manejo dos enxames, adaptá-los para sua própria criação, e deixá-los cada vez mais produtivos. "Eu fiz o que eu imaginei que iria dar certo, e isso funcionou". Todos os enxames de Eduardo são resgatados ou multiplicados. Com mais de 20 caixas de colmeias em sua propriedade, recolher uma sociedade de abelhas, "conseguir colocá-la na caixa e fazer com que ela se fixe ali", é o melhor aprendizado. Essa prática exige técnica: após identificar a colmeia e a sua entrada, Eduardo retira os favos e os posiciona na caixa, sem mudar sua disposição: "se o favo está em pé, você coloca ele em pé. Tem que posicionar os quadros da mesma forma que eles estão na colmeia". O processo de resgate é delicado, que demanda atenção. O passo mais importante é a identificação e o reposicionamento da abelha-rainha. "Depois de relocar a família, você tem que procurar a rainha. Essa é a parte mais difícil". O apicultor conta que, se a abelha-rainha morrer durante o processo, o enxame "puxa" uma nova rainha. Contudo, sem ela, as abelhas se dispersam e não se fixam na caixa. A produtividade de uma colmeia depende de uma boa rainha. Além de determinar as características genéticas do enxame, por ser a única responsável pela reprodução, conhecida como a "postura de ovos", a abelha-rainha produz feromônios que controlam e determinam o comportamento e a organização social das operárias. Quando há necessidade para manter a "saúde do enxame", ou quando se percebe que a rainha está diminuindo sua postura, Eduardo, então, a troca. Sustentabilidade apícola. Divulgação: Catharina Alvarez Como é feita a criação de abelhas-rainha? A reprodução de Abelhas-Europa Africanizadas começou a ser compreendida a partir de 1845. Para a reprodução de abelhas-rainha voltada para a apicultura, é feita uma seleção genética, baseada nas características de produção e higiene de uma colmeia. A veterinária Júlia Orlando Heiss conta que o processo de escolha da colônia matriz, ou seja, do enxame pelo qual será criada a rainha, deve ser feito durante o período de florada, devido à grande quantidade de néctar e pólen disponíveis para a produção de mel ou própolis da colmeia, o que permite uma avaliação mais precisa de seus níveis de rendimento. Consideram-se também as características do local e os hábitos higiênicos do enxame, entre outras variáveis. Dessa forma, é possível escolher a genética ideal para a criação de uma rainha especializada na produção de própolis ou de mel, levando em conta fatores como a agressividade e defensividade da colmeia, afirma o especialista na criação e comercialização de abelhas-rainha, Ramon Raad. Após a seleção da colônia matriz, coloca-se um favo vazio no meio da caixa do enxame, onde a rainha fará postura: colocará ovos nos alvéolos do favo, que é retirado da colmeia após três dias, descreve Heiss. É, então, realizado o método Doolittle, no qual as larvas são transferidas para uma realeira - uma cúpula/recipiente mais longo e mais profundo que o alvéolo - responsável por abrigar a larva que se desenvolverá em uma rainha. A veterinária afirma que, durante a realização desta transferência, deve-se colocar na realeira uma gota de geleia real, e o local onde o processo será realizado precisa estar com uma temperatura mínima de 22º Celsius e com 50% de umidade. Contudo, a larva transferida não volta para a colônia matriz, mas é colocada em uma colônia recria, escolhida especificamente por ser um enxame com abundância de alimento e de favos de cria operculados (célula do favo que está fechada e contém uma larva na fase de pupa, que é o período no qual a larva se transforma em uma abelha adulta) e nascentes (fase pré-pupa), para que tenha um alto número de abelhas operárias nutrizes. Antes de a realeira ser transferida, um porta-cúpulas deve ser deixado por 24 horas na colônia recria, para que "pegue o cheiro do enxame e para que a probabilidade de rejeição da cúpula diminua", explica Júlia. Ao introduzir a realeira, "ela precisa ficar de cabeça para baixo, o que induz o enxame a alimentá-la com geleia real", realça Raad. Na produção de Raad, a princesa (abelha-rainha virgem), após a operculação das realeiras, é retirada da colônia recria antes do nascimento, e mantida em observação, já que, "quando a primeira princesa nasce, ela libera um feromônio para que as demais sejam mortas", informa Júlia Heiss. Depois do nascimento, a princesa fica sob observação, e verifica-se se ela possui algum defeito de nascença ou algo que a impeça de se reproduzir. Então, é realizado o voo de fecundação: a abelha é introduzida em uma colmeia sem rainha, e se reproduz com uma média de 17 zangões. Sua postura é, então, avaliada por cerca de quatro a seis semanas antes da venda, conta Raad. Se algum problema for detectado, a rainha é descartada. Ramon Raad vende abelhas-rainha e princesas para todo o Brasil. O apicultor relata que, para o transporte, o inseto é colocado em um recipiente com uma "pasta candy", alimento temporário, e um algodão hidratado. No Brasil, é seguida a Convenção Postal Universal, que admite abelhas, sanguessugas e bichos-da-seda como objetos de correspondência. Raad afirma que opta por meios de entrega mais rápidos, e que o tempo ideal de transporte é de menos de cinco dias. O criador também alega que está no processo de desenvolvimento de um material alternativo para o recipiente de transporte, que mantenha sua umidade, já que a principal causa de morte do inseto durante a entrega, quando passa de 7 dias, é a desidratação. Uma vida apícola Entre ensejos e manejos. Divulgação: Manuella Koehler Eduardo caminha em direção ao apiário. À medida em que faz a manutenção das caixas de colônias, o zumbido das abelhas é quase ensurdecedor. Para defenderem suas colmeias, elas voam em direção à máscara, às luvas e aos celulares, que tiram fotos dos processos de cuidado. Eduardo avalia a postura da rainha em cinco das 20 caixas presentes no apiário. Ao tirar os quadros, o apicultor observa a quantidade de crias operculadas e de larvas na colmeia, que são os principais indicadores da saúde da rainha. O mês de outubro ainda não é a época da produção de mel, mas, sim, da coleta do pólen. A floração do mel produzido pelas abelhas de Eduardo é silvestre, e a primavera é a estação ideal para as coletoras encontrarem seu alimento. O apicultor explica que só retira o mel quando ele sobra: quando a sua confecção passa da quantidade necessária para alimentar a colmeia. Na época de produção, ele coloca uma tela de bloqueio entre os quadros de melgueira (onde é produzido o mel para comercialização) e os demais favos, pela qual só passam as abelhas operárias. Isso impossibilita a rainha de fazer postura no favo e mantém o mel comercializado puro. Ao abrir a quinta caixa para conferência e manutenção, Eduardo mostra uma pequena produção de própolis não própria para consumo. Ao retirar os quadros e avaliar a postura da colmeia, Eduardo aponta para as caixas de madeira, que contêm cada enxame. "Esse própolis, eu transformo em verniz. Uso ele para pintar as caixas". Sustentabilidade é a palavra que define a criação apícola de Eduardo. Na chácara onde montou o apiário, derrubou somente as árvores necessárias para abrir um caminho até o local. Suas caixas são pintadas com as próprias substâncias desenvolvidas pelas abelhas, e todos os enxames são resgatados e/ou multiplicados. A produtividade de suas colmeias depende do equilíbrio entre a comercialização, o consumo e o bem-estar das colônias. Só no Brasil, são 300 as espécies que colaboram para a prosperidade do nosso ecossistema, informa o biólogo Luis Alves. Na agricultura, o serviço ecológico delas também é bem-vindo: Alves estima que as abelhas chegam a contribuir para um aumento de 15 a 20% na produtividade de soja, e, para a produção de café, o incremento chega a cerca de 30%. Insetos tão pequenos, responsáveis por tanto impacto. É na pequenês das abelhas que encontra-se o principal instrumento de polinização. Numa pequena sociedade. Divulgação: Manuella Koehler Quais produtos vêm da apicultura? Os derivados comercializados da atividade das abelhas "incluem o mel, a geleia real, o própolis, a cera e até mesmo seu veneno (apiterapia no tratamento de esclerose e artrite)", destaca Luis Alves, biólogo. O própolis é uma substância resinosa, misturada pelas abelhas com cera, saliva e demais enzimas. Ele possibilita a proteção da colmeia devido a suas propriedades antimicrobianas e à capacidade de vedar pequenas fendas e buracos. É utilizado comercialmente por suas aplicações medicinais. O própolis verde é o mais produzido e exportado no Brasil: 97% do própolis exportado pelo País é destinado ao Japão, afirma o apicultor Ramon Raad. Já o própolis vermelho é produzido em regiões litorâneas, principalmente no nordeste do País. Texto produzido por Catharina ALvarez e Manuella Koehler, acadêmicas do curso de Jornalismo do Centro Universitário FAG, sob orientação da professora Julliane Brita, para a 23ª edição da Revista Verbo, veiculada na 4ª edição do City Farm FAG, em 2024.