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'Achei que era labirintite': jovem tem caso raro de trombose e vazamento de líquido do cérebro após uso de anticoncepcional

Jovem tem caso raro de trombose e vazamento de líquido cerebral após usar anticoncepcional “Achei que era labirintite, fiquei meio tonta, enjoada.” Foi es...

'Achei que era labirintite': jovem tem caso raro de trombose e vazamento de líquido do cérebro após uso de anticoncepcional
'Achei que era labirintite': jovem tem caso raro de trombose e vazamento de líquido do cérebro após uso de anticoncepcional (Foto: Reprodução)

Jovem tem caso raro de trombose e vazamento de líquido cerebral após usar anticoncepcional “Achei que era labirintite, fiquei meio tonta, enjoada.” Foi esse o pensamento de Ana Júlia Pires quando começaram os primeiros sintomas de coágulos nas veias do cérebro. Na volta de uma viagem com a família em 24 de julho de 2021, aos 23 anos, a jovem sentiu tonturas, dores na lombar e no pescoço. Veja o vídeo acima. Ana Júlia teve uma convulsão e foi internada um dia após apresentar os primeiros sintomas. Dois dias depois da internação, em 27 de julho daquele ano, recebeu o diagnóstico de trombose venosa cerebral. Na ocasião, os médicos associaram o caso raro ao uso contínuo de um anticoncepcional hormonal oral, composto por estrogênio e progesterona. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 MS no WhatsApp A trombose deixou várias sequelas: estrabismo súbito, perda do equilíbrio e diminuição da força causada pelo longo período de internação. Como tratamento, Ana Júlia fez fisioterapia para recuperar a visão, a força e a coordenação motora. “Um dos meus olhos desviou cerca de 45 graus. Só voltei a andar aos poucos, com a ajuda da minha mãe e do meu noivo, além da fisioterapia”, conta ela. Com o tempo, o quadro se agravou. A trombose elevou a pressão dentro do crânio e em outubro de 2022, mais de um ano após o diagnóstico, Ana Júlia notou um novo sintoma: um corrimento nasal transparente persistente. “Achei que fosse gripe, porque o nariz não parava de escorrer. Após um mês, quando os sintomas da gripe melhoraram, o corrimento continuou”, disse ela. Foram meses de exames e consultas até que, em julho de 2024, ela descobriu que o líquido escorrendo pelo nariz era sinal de outro problema relacionado à trombose. Segundo a otorrinolaringologista Camila Dassi — especialista em rinologia e base de crânio, que atua nos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês — a trombose causou um aumento da pressão intracraniana, o que enfraqueceu estruturas do crânio da jovem e levou ao surgimento de uma fístula liquórica transnasal. A otorrinolaringologista Camila Dassi explicou que a trombose da jovem arquiteta causou indiretamente a fístula. O aumento da pressão intracraniana levou ao enfraquecimento das estruturas do crânio dela e contribuiu para o surgimento da lesão. A condição é uma ligação anormal entre o crânio e a narina. O líquido que escorria pelo nariz é o líquido cefalorraquidiano (líquor), responsável por proteger o cérebro e a medula espinhal. A médica ressalta que casos como o de Ana Júlia são raros. “O ponto central é a conscientização de que o anticoncepcional [hormonal] é um medicamento pró-trombótico que aumenta o risco de coágulos sanguíneos. Esses coágulos podem dificultar a drenagem do líquor, aumentando a pressão intracraniana — e foi justamente essa pressão que acabou causando a fístula na parede que divide o nariz do crânio”, explica Camila. A ginecologista e obstetra Mariana Medina de Almeida Pereira afirma que, em cada grupo de 10 mil mulheres, entre 1 e 5 podem desenvolver trombose ao longo da vida. Com o uso de anticoncepcionais hormonais, esse número pode subir para cerca de 9 em cada 10 mil. Desde o diagnóstico, Ana Júlia passou por cinco internações e uma cirurgia delicada no cérebro, realizada em fevereiro deste ano, para corrigir a fístula liquórica. Atualmente, a arquiteta está totalmente recuperada. Durante o tratamento, ela se dividia entre Aparecida do Taboado, onde vive a família dela, e Campo Grande, onde cursava Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Infográfico - Jovem sofre efeitos raros de anticoncepcional hormonal. Arte/g1 💊Do anticoncepcional à sequela: 'Acordei travada' Os médicos que acompanharam o diagnóstico de Ana Júlia após a convulsão explicaram que o quadro dela foi provocado pelo uso contínuo de anticoncepcional hormonal oral. Ao g1, Ana Júlia explicou que usou o anticoncepcional Tâmisa 20 por cerca de dois anos e no período em que começou a apresentar os primeiros sintomas da trombose, fazia uso do Diane 35 havia cerca de um ano e meio. Ambos os medicamentos contêm estrogênio, hormônio associado ao aumento do risco de trombose venosa, segundo a ginecologista e obstetra Mariana Medina de Almeida Pereira. A especialista explica que a trombose venosa cerebral pode estar associada a alguns fatores de risco comuns: tabagismo; obesidade; enxaqueca com aura; histórico familiar da doença. Ana Júlia não tinha nenhum dos fatores de risco e, antes do diagnóstico, não fez exames para investigar predisposição à trombose. “Descobri depois que o anticoncepcional que eu usava tinha risco maior de ter uma trombose. Nunca fiz testes para saber se eu era trombofílica”, disse. Após a confirmação da doença, exames para identificação de predisposições são desnecessários. O que é trombose? A trombose venosa cerebral ocorre quando se forma um coágulo nas veias responsáveis por drenar o sangue do cérebro. A condição impede o fluxo normal de sangue e pode levar ao aumento da pressão intracraniana. Segundo o Ministério da Saúde, existem dois tipos principais de trombose cerebral: a arterial, que afeta as artérias, e a venosa, que atinge as veias, como no caso de Ana Júlia. Os sintomas mais comuns são: Dor de cabeça intensa e persistente Náusea e vômitos Convulsões Alterações visuais Fraqueza em partes do corpo Confusão mental Em casos graves, pode causar dor de cabeça intensa, convulsões, alterações visuais, paralisia e até risco de morte, conforme os médicos ouvidos pelos g1. 👩🏽‍⚕️Cirurgia delicada a recuperação contínua Líquido que protege o cérebro. Ana Júlia Pires Após tentativas com medicamentos, a única solução para corrigir a fístula foi uma cirurgia endoscópica, realizada em fevereiro deste ano. “Foi uma cirurgia complexa, utilizamos estruturas do próprio nariz da paciente para fechar o vazamento”, relembra a médica Camila Dassi. 👃O procedimento cirúrgico foi realizado por via endonasal, ou seja, pelo nariz. A médica explica que essa técnica permitiu acesso direto à base do crânio, onde fica a abertura por onde o liquor vazava. 💧Durante o procedimento, foi removido o tecido danificado ao redor da fístula, preparada a região e fechado o buraco com enxertos. No caso de Ana Júlia, foram utilizadas estruturas do próprio nariz para selar o ponto de vazamento. ⏰A cirurgia durou cerca de duas horas e é considerada delicada por ser realizada em uma área crítica, próxima de estruturas sensíveis e vitais como o cérebro, as meninges, nervos e vasos sanguíneos. Para o procedimento cirúrgico, Ana Júlia recebeu anestesia geral. “Quando deitei na mesa, pensei: posso não acordar bem. Mas deu tudo certo”, comentou Ana Júlia ao g1. A especialista reforça que uma fístula não tratada, além de permitir o vazamento do líquor pelo nariz, também pode servir como porta de entrada para bactérias no sistema nervoso central. Com o canal aberto, aumentam os risco de infecções graves, como a meningite. "O nariz é cheio de bactérias, e o cérebro é uma área protegida, normalmente estéril. Quando há essa fístula, as bactérias podem passar do nariz para o cérebro com facilidade, causando infecções graves como a meningite. Se o caso da Ana Júlia não tivesse sido tratado, em algum momento poderia evoluir para meningite e até ser fatal. Felizmente, ela recebeu todo o tratamento a tempo e hoje está 100% recuperada”. 🚨 Especialistas alertam: anticoncepcional deve ser prescrito com cautela Para a ginecologista e obstetra Mariana Medina de Almeida Pereira, o caso de Ana Júlia serve de alerta. "A trombose cerebral é gravíssima, e o anticoncepcional com estrogênio e progesterona aumenta esse risco, ainda que em poucos casos", explica. O ginecologista e obstetra de alto e baixo risco Edvardes Carmona Gomes complementa que o estrogênio pode aumentar o risco de trombose venosa, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e até infarto. Os médicos recomendam usar a menor dose possível de estrogênio ou optar por métodos apenas com progesterona, como DIU hormonal, implante ou injetáveis. Os especialistas explicam que os riscos variam conforme as características de cada mulher. “Algumas mulheres já têm uma predisposição maior à trombose por fatores genéticos ou de saúde, independentemente do uso de anticoncepcional. Por isso, o mais importante é avaliar quem pode ou não usar determinado método hormonal. O ideal é sempre individualizar. O anticoncepcional precisa ser bem prescrito, para a pessoa certa, após avaliação médica. Isso é o que garante que os benefícios superem os riscos”, explica a ginecologista Mariana Medina. Os dois ginecologistas ouvidos pelo g1 explicaram que nem sempre é necessário pedir exames antes de prescrever anticoncepcional, pois os riscos relacionados ao uso dos medicamentos podem ser identificados em uma consulta detalhada com a paciente. "Pacientes com histórico familiar de trombose ou doenças hepáticas, a recomendação é realizar exames complementares para garantir segurança no uso do método hormonal", disse a ginecologista. Em maio deste ano, a arquiteta recebeu alta do último medicamento, um diurético, que ainda utilizava para perder menos líquor. Atualmente, ela está completamente recuperada. Hoje, Ana diz valorizar as pequenas conquistas e refletir sobre o cuidado com a saúde. “Entendi que estar viva não é só respirar. É sentir, agradecer por um almoço em família, por um emprego, uma cidade nova. Eu quase não estive aqui.” Após inúmeras internações, cirurgia e fisioterapia, Ana Júlia celebrou a vida, quando recebeu alta do medicamentos em maio deste ano. Ana Júlia Pires Veja vídeos de Mato Grosso do Sul: