Como a Feira da Parangaba, símbolo de Fortaleza, se tornou ponto de comércio ilegal de animais
Operação do Ibama apreende centenas de animais silvestres em feira de Fortaleza Se a função básica de uma feira é reunir comerciantes e expor mercadorias,...

Operação do Ibama apreende centenas de animais silvestres em feira de Fortaleza Se a função básica de uma feira é reunir comerciantes e expor mercadorias, a Feira da Parangaba (Fortaleza-CE) extrapola qualquer significado. Isso porque ela já se tornou um grande símbolo do comércio popular da cidade e é capaz de contar a história da região a partir de suas cores, vozes e também controvérsias. No último domingo (5), a feira foi alvo da maior operação independente e sigilosa contra o comércio ilegal de animais silvestres em feiras livres do Brasil. A ação, realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), levou mais de 30 pessoas à delegacia e resgatou 271 animais em situação de maus-tratos. Para entender como a Feira da Parangaba, também conhecida como “Feira dos Pássaros”, se tornou popularmente conhecida pela venda ilegal de animais silvestres, é preciso recorrer à história, especificamente no ano de 1607. 👥 O g1 conta nesta matéria a história do Bairro Parangaba e como foi a formação de um dos principais pontos de comércio popular de toda a cidade, que existe há pelo menos 30 anos e tornou-se destino de operações do Ibama e ativistas do meio ambiente. LEIA TAMBÉM: Operação do Ibama detém mais de 30 pessoas por comércio ilegal de animais em Fortaleza Professores da rede municipal de Fortaleza paralisam atividades; aulas estão suspensas Versões sobre o surgimento Igreja Matriz da Parangaba. Kid Júnior/ Sistema Verdes Mares (SVM) O surgimento da Feira da Parangaba tem algumas interpretações diferentes, aponta a historiadora Isabele Farias, mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Uma delas é a de que o comércio de carnes e animais no século 19 foi tão intenso que acabou fortalecendo e iniciando um fluxo de vendas na região, o que seria o "despontar" da feira (entenda mais abaixo). No entanto, alguns memorialistas consideram que a feira somente foi formada na década de 90, quando vendedores e comerciantes passaram a se reunir espontaneamente na região onde ela funciona atualmente. Esta é a segunda interpretação, o que leva a entender que a Feira da Parangaba tem cerca de 30 anos. Mas, o relato de um morador no trabalho "Memória Social em Fortaleza: Reflexões sobre Parangaba", do mestre em Sociologia Mário Sérgio Barbosa Costa, diz que a feira chegou no bairro ainda no fim da década de 1950. É nesse relato também que, pela primeira vez, são citadas as 'gaiolas com passarinhos'. "Em 1958 ou 1959, não lembro exatamente qual era o ano, chegaram algumas pessoas que, todos os domingos, ficavam próximas à lagoa, segurando pequenas gaiolas com passarinhos de todos os tipos. Depois de alguns meses, apareceram outras pessoas montando barraquinhas onde vendiam frutas, milho e feijão. Começou assim a feira de Parangaba. Tinha 15 anos quando ela começou e fui crescendo junto com ela". Deixando um pouco de lado a questão de datas, o fato é que a Feira da Parangaba acabou se tornando uma grande expressão do comércio popular em Fortaleza. E, como pontua a historiadora Isabele Farias, esses ambientes ajudam a preservar tradições da cultura e são "espaços de coletividade, memória, construção do conhecimento e formação de identidade": "A gente vive dentro de um processo de urbanização muito forte na cidade e essa modernização apaga as singularidades dos espaços. Mas as feiras preservam essas tradições. Ir à feira é muito diferente de ir a um shopping, por exemplo, em que em qualquer parte do Brasil eles se parecem, têm algo em comum. As feiras, não. Os produtos são regionais, as músicas são regionais. Ir à feira na Parangaba, na Messejana ou no Álvaro Weyne sempre vai ser diferente" Comércio sempre foi importante Confira como está antiga estação ferroviária da Parangaba. Divulgação Antes de se tornar um bairro de Fortaleza, a Parangaba era uma vila da Capitania do Ceará. A região era primordialmente um território indígena até que em 1607 recebe o início do que seria o processo de ocupação portuguesa na área. De acordo com Isabele, é nesse momento que os jesuítas ocupam a região em uma missão para a catequização dos indígenas e aldeamento dos povos originários. "Só alguns anos depois que aquele território de missão jesuítica passa a receber o título de vila e se torna a Vila Real de Arronches, em 1759. Uma das marcas da Parangaba enquanto hoje bairro de Fortaleza é a sua autonomia comercial. A gente consegue observar que é um território que desde que se torna bairro, já tem toda uma circulação de mercadorias e produtos dentro. Essa movimentação comercial muito particular e interna da Parangaba já é observada desde quando ainda era uma vila." No começo do século 19, ainda como Vila Real de Arronches, a região já tem uma circulação intensa do comércio de carnes e animais. Ao lado de Fortaleza, também considerada uma vila, mas já oficialmente a capital do Ceará, a Parangaba recebia mercadorias de vários produtores do interior do estado que tinham o desejo de vender seus produtos em regiões próximas à Fortaleza, mas que não queriam pagar taxas impostas pela capital: "Essas taxas são consideradas altas, principalmente pelos pequenos produtores. Eles vão tentar burlar esse sistema e encontrar saídas para fazer com que essas carnes cheguem até a capital (que vai ser o grande polo comercial) por outras saídas, que não as oficiais. Uma das saídas encontradas é esse comércio mais informal da Vila de Arronches, a vila mais próxima à Fortaleza". Já nessa época, a Vila Real de Arronches, que mais tarde se chamaria Parangaba, passou a concentrar um comércio informal de produtos, dando origem ao fluxo comerciam conhecido até hoje. O outro lado Ibama faz operação na Feira da Parangaba, em Fortaleza, e mais de 30 pessoas são detidas. Mesmo espaços democráticos e comunitários como uma feira podem guardar aspectos nada simpáticos, como a insegurança, desperdício de alimentos e a venda ilegal de produtos falsificados ou animais. E foi levando em conta isso que o Ibama realizou uma operação contra o comércio ilegal de animais silvestres em diversas feiras livres do Brasil. Em Fortaleza, a Feira da Parangaba foi o alvo. No local, bichos são colocados em gaiolas expostas livremente em quiosques, com péssimas condições de higiene e em um ambiente barulhento. Esse ambiente estressor faz com que muitos animais morram na própria feira. O comércio não se restringe às aves: serpentes e macacos também são encontrados no local. A depender da espécie, o valor pode ser alto. Um papagaio, por exemplo, estava sendo comercializado por R$ 700 pouco antes da abordagem do Ibama. Os bichos são colocados em gaiolas expostas livremente em quiosques, com péssimas condições de higiene e em um ambiente barulhento.Os bichos são colocados em gaiolas expostas livremente em quiosques, com péssimas condições de higiene e em um ambiente barulhento. Divulgação A ativista ambiental Stefani Rodrigues, também fundadora da Organização Não-Governamental (ONG) APA Anjos da Proteção Animal, aponta que a falha da fiscalização é um dos fatores que deixa locais como uma feira expor "tranquilamente" animais em situação vulnerável: "Acredito que se o Estado aumentasse o efetivo de policiais, como no Batalhão de Polícia do Meio Ambiente , se tivesse mais agentes do Ibama, a gente conseguia combater esse tipo de crime, sim. Mas é uma ação que tem que acontecer periodicamente. Eles não vão deixar de vender. É um crime, um comércio que dá lucro para eles. Eles vão só encontrar outras maneiras para tentar despistar a polícia". Conforme a Lei de Crimes Ambientais, os investigados podem responder por pelo menos dois crimes. Divulgação A ONG de Stefani não atua apenas no acolhimento ou na luta jurídica pela defesa dos animais, mas também busca sensibilizar a sociedade sobre a importância de não comprar animais e de não alimentar o mercado clandestino, que perpetua o sofrimento desses seres. Recentemente, eles receberam da BPMA um caso envolvendo 45 coelhos resgatados em situação de maus-tratos. Dois deles estavam em situação crítica e foram internados em clínica veterinária, com custos altos para o tratamento. A ativista ainda relembra que é importante que qualquer cidadão denuncie situação de maus-tratos ou venda ilegal de animais silvestres. A participação da população é necessária para reduzir esse tipo de crime: "A partir do momento que você compra um animal que não é legalizado em feiras livres, você está financiando o crime. Então, as pessoas têm que se conscientizar de que útero de animal não pode ser comercializado. Esses animais passam por determinados confinamentos: é o confinamento em relação à liberdade deles, é o confinamento da alimentação. Eles estão sem água, em local insalubre. As pessoas não sabem o sofrimento que aquele animal passou para poder chegar nos lares dessas pessoas", comentou. Para a especialista em História Social consultada pelo g1, a venda ilegal de animais na Feira da Parangaba gira em torno de um aspecto cultural. "Existe uma naturalização ao longo de muito tempo da repercussão de uma prática que faz com que as pessoas enxerguem como aceitável. Mesmo que você entenda e compreenda que existe o fator de lei, que aquele comportamento que aquele comércio é proibido, não se compreende o caminho até a ilegalidade", pontua Isabele Farias. Para ela, uma fiscalização mais presente e atuante na feira é necessária para brecar a venda de animais. No entanto, essa atuação precisa ser mais inteligente e contínua, desenvolvendo uma convivência amistosa entre os feirantes e os órgãos públicos: "Acho que se faz necessário que haja uma política de incentivo de migração desse comércio ilegal para produtos que sejam legalizados e que possam fornecer as possibilidades de renda que esses feirantes buscam. Se a gente corta a prática em um lugar, essas pessoas vão encontrar outros lugares. A gente precisa dizer para a população que é possível preservar as tradições de uma feira tão importante para a cultura local sem perpetuar práticas nocivas", concluiu Farias. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará: